quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Da falta que um automóvel faz

Ontem teria gostado de fazer uma enorme sessão fotográfica, mas não pude. Estou sem automóvel há mais de uma semana. Está para reparar porque, no dia 28 de Junho, um indivíduo completamente embriagado decidiu atravessar a rua à minha frente, imprevistamente e sem sequer olhar. Tudo o que pude fazer foi desviar-me com uma guinada brusca, mas isto teve apenas como consequência não ter atingido o homem em cheio, antes tocando-lhe de raspão com o lado direito do carro. A despeito de o sinistrado ser minúsculo - media cerca de 1,60m, não mais -, a devastação causada no carro foi considerável: o retrovisor direito foi pulverizado, amassou-me o guarda-lamas do mesmo lado e ainda conseguiu as proezas de meter um farol de nevoeiro para dentro da carroçaria, perfurando com isto o reservatório do líquido de limpeza do pára-brisas, e fazer uma mossa no pilar A (aquele entre o pára-brisas e a janela do passageiro). E eu nem sequer ia a grande velocidade!
Se vos parece que estou a ser completamente insensível quanto ao estado em que o atropelado ficou, desenganem-se: parei imediatamente o automóvel e saí para me inteirar do seu estado. Encontrei-o deitado de bruços no asfalto, com uma mistura de sangue e saliva saindo-lhe da boca. Cheguei a pensar que tinha morrido, o que me deixou num estado para cuja descrição não existem adjectivos na língua portuguesa, mas dez minutos após o atropelamento a vítima levantou-se sem ajuda. E, quando na manhã seguinte fui ao hospital para saber do seu estado de saúde, descobri que já tinha recebido alta! Ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo... 
Resultado: a despeito de não ter tido qualquer culpa, vou ter de suportar a despesa com a reparação do carro (o meu seguro é contra terceiros), porque o Fundo de Garantia Automóvel não funciona em casos de atropelamento. A minha seguradora vai provavelmente pagar as despesas hospitalares do borracho e, em consequência, agravar-me o prémio. Mover uma acção contra o responsável pelo acidente? Fora de questão. É, provavelmente, um daqueles madraços que dão má reputação ao Rendimento Social de Inserção. E não estaria a salvo de encontrar um juiz idiota - também os há... - que julgaria em favor do pobrezinho do peão, tão vulnerável e indefeso, e contra o malvado do automobilista (mesmo que o primeiro estivesse completamente bêbado, tivesse atravessado a faixa de rodagem sem tomar precauções e a despeito do facto de existir uma passadeira a menos de 50 metros do local). E já nem falo na taxa de justiça e custas judiciais, que provavelmente teria de suportar na íntegra.
O automóvel - e não o tripé, como alguém erroneamente afirmou - é que é o melhor amigo do fotógrafo. Sem ele, as minhas fotografias seriam circunscritas aos limites da minha freguesia de Lordelo do Ouro, Porto; apesar de ser uma freguesia particularmente fotogénica, fotografar sempre as mesmas coisas causa tédio. O fotógrafo precisa de viajar, mesmo que as viagens sejam curtas. Apesar de haver muitos fotógrafos - nomeadamente os de rua - que encontram sempre motivos interessantes em espaços confinados, outros, como eu, gostam de variar e de encontrar lugares diferentes. Gosto, por exemplo, de encontrar praias que sejam ideais para fazer aquelas fotografias com arrastamento das ondas do mar, praias essas que, além de darem belíssimas fotografias, me providenciam momentos únicos de paz e relaxamento. No ano passado, no dia em que decorreu um ano sobre o meu tirocínio fotográfico, fui a Amarante, onde fiz fotografias nocturnas da ponte e da igreja de S. Gonçalo que me deixaram incrivelmente satisfeito; este ano não fiz uma única fotografia no dia que marcou o meu segundo ano como amador da fotografia. Foi apenas uma efeméride, eu sei, mas mesmo assim foi triste e frustrante.
Quanto ao peão, o leitor decerto me desculpará por não conseguir exprimir qualquer simpatia por ele. Uma testemunha do acidente afirmou-me, na semana passada, que aquele continua a apanhar bebedeiras diariamente, o que significa que não aprendeu nada. E é natural que continue a desafiar os condutores atravessando-se à frente destes, como fez comigo. E que dirija alguns impropérios contra mim junto dos seus companheiros de carraspanas...

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