terça-feira, 26 de junho de 2012

Passado e futuro da fotografia

L'Atelier de l'Artiste, daguerreótipo de Louis Daguerre (1837)
Se eu afirmasse aqui que uma fotografia - ou, mais exactamente, um daguerreótipo -, feita há cento e setenta anos, tinha mais resolução que qualquer fotografia digital dos nossos dias, sem fundamentar essa afirmação, muitos provavelmente pensariam que eu tinha ensandecido de vez e que estava a publicar textos a partir de uma cela de paredes acolchoadas no Rilhafoles. Daí que faça uma remissão para este artigo interessantíssimo que encontrei no Pixiq, para fundamentar o que acabei de escrever. Talvez assim acreditem em mim.
Antes de mais, convém esclarecer que um daguerreótipo é uma forma de criar uma imagem pela captação de luz inventada por Louis Daguerre no segundo quartel do Século XIX. A luz reflectida pelos objectos era fixada em placas de cobre revestidas por uma solução de prata. A imagem era tornada visível através do uso de vapor de mercúrio, o que causava problemas de saúde nos fotógrafos (ou, mais propriamente, daguerreotipistas). O daguerreótipo é, deste modo, o pai da fotografia.
De regresso ao artigo publicado no Pixiq, é interessante ver que um daguerreótipo contém muito mais informação que uma imagem digital. Devo dizer, usando um raciocínio analógico (em mais que um sentido), que o conceito de as antigas tecnologias serem superiores às digitais que lhes sucederam não me é novo: há doze anos que substituí o leitor de CD por um gira-discos como fonte principal nas minhas audições musicais. Daí que não tenha sido um choque aprender esta realidade. Aliás, isto é a repercussão de algo que é evidente se pensarmos um pouco: a diminuição da qualidade em favor da produção em massa. Temos bens mais baratos, com compromisso da qualidade.
Significará isto que devemos trocar as nossas câmaras digitais por camerae obscurae, como as usadas para fazer daguerreótipos? Decerto que não. O que devemos fazer é esperar pelos novos desenvolvimentos da fotografia digital. Uma resolução como a do daguerreótipo referido no artigo da Pixiq não estará nunca ao alcance de câmaras digitais servidas por sensores convencionais, uma vez que estes, por maiores que sejam, têm uma limitação no número de pixéis, que dificilmente poderá ir para além da centena de MPs. Qualquer imagem, mesmo feita com uma Mamiya com um back digital da Leaf, tem serrilhado quando ampliada para além de 400%. Há que pensar de outra maneira, lateralmente, e foi isto mesmo que fizeram na DARPA, a agência de pesquisa do Departamento de Defesa norte-americano.
Com efeito, esta agência desenvolveu e mostrou uma câmara, a AWARE-2, que atinge os gigapixéis. Decerto que esta tecnologia ainda requer muito desenvolvimento para que possa produzir imagens de qualidade - esta está limitada, no protótipo mostrado, pelo uso de uma lente de plástico -, e terá de ser desenvolvida para reduzir as câmaras a a proporções práticas: o protótipo parece uma fonte de alimentação arrefecida a ar, como as dos computadores desktop, que tivesse sido monstruosamente ampliada, mas este pode ser o caminho para a obtenção de níveis de resolução superiores.
O que nos mostra que a fotografia digital ainda está na sua infância. Um dia - provavelmente muito em breve - os sensores CCD e CMOS serão coisas do passado, substituídas por uma abordagem mais orgânica, que imite a natureza. Afinal de contas, os melhores instrumentos ópticos existentes são os olhos. Quando a tecnologia conseguir este grau de perfeição, teremos as resoluções com que muitos fotógrafos sonham.
Claro que nada disto pode esconder uma realidade triste: esta câmara que a DARPA desenvolveu serve, sobretudo, para aperfeiçoar a intromissão na vida privada de cada um. Esta tecnologia terá a sua aplicação em funções de vigilância, de maneira a poder devassar-nos com mais eficiência. Mas, se saírem daqui benefícios para a fotografia, penso que os fabricantes de equipamento devem estar atentos.    

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