quinta-feira, 26 de abril de 2012

Falar claramente

1. Hoje ouvi uma reportagem na rádio acerca das medidas restritivas em vigor no Parque Nacional da Peneda-Gerês. O tema já foi abordado na FotoDigital, pelo que remeto para o respectivo artigo, subscrevendo tudo quanto aí é referido; o que me levou a abordar este assunto foi o facto de a referida reportagem, além de denunciar os preços exigidos para passeios de grupo, referir ainda uma pretensa proibição de fotografar, que seria punida com coima de €250,00.
Esta parte da notícia é uma extrapolação falsa. O que é proibido é usar ou fazer fotografias com fins comerciais ou publicitários que contenham referências a produtos ou serviços credenciados pelo Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade, I. P. (ICNB). É o que resulta do regulamento em vigor no Parque Nacional (artigos 7.º e 8.º), que pode ser consultado aqui. Toda e qualquer proibição de fotografar que exceda os limites impostos é ilícita. Qualquer pessoa pode fotografar, desde que não o faça para fins comerciais e usando os produtos e serviços do INCB (e também desde que pague, claro, a taxa escandalosa exigida por este Instituto...) Eu compreendo as necessidades de preservação do parque, que resultam da deterioração causada por muitos anos de caçadas, montarias, acampamentos, piqueniques, excursões em automóveis, queimadas, depósitos de lixo e entulho, entre outros abusos; o que não compreendo é o critério monetarista que determinou as restrições. Quanto à questão da fotografia no parque da Peneda-Gerês, esta é livre; se alguém foi proibido de fazer fotografia criativa ou recreacional, deve reclamar, pois a proibição não encontra fundamento no regulamento, sendo ilegítima e arbitrária.

2. Mudando de assunto: um tema que me anda a causar irritação é o da usurpação de imagens. Que este tema afecta quem faz da fotografia a sua profissão, já o sabia: o preço e a qualidade das câmaras actuais leva a que exista uma proliferação de imagens na Internet que facilita a sua usurpação. Para quê pagar a um fotógrafo quando se pode obter a fotografia gratuitamente - mesmo cometendo o crime de usurpação? É assim que pensam muitos editores, graças à sua absoluta falta de formação cívica e de escrúpulos. O que seria porventura menos plausível era que fotógrafos amadores fossem também eles vítimas de usurpação, mas isto também acontece. Acredito que muitos dos esbulhados nem se apercebam que o são e, em lugar de se sentirem ultrajados, fiquem orgulhosos por as suas fotografias aparecerem em publicações impressas ou online, o que é revelador de falta de consciência cívica e informação jurídica. Publicar fotografias na Internet não é, de forma nenhuma, uma renúncia aos direitos de autor, nem determina a queda daquelas no domínio público. Até eu já fui espoliado de fotografias: o Statcounter, ferramenta que uso para ter uma noção da actividade neste blogue, informa sobre os descarregamentos feitos a partir do blogue; verifiquei, com surpresa, que muitas das minhas fotografias, que eu imaginava não terem grande valor estético por ser ainda demasiado verde na fotografia, estavam a ser surripiadas com uma frequência que me impressionou. Curiosamente, quase todos os descarregamentos foram feitos a partir de IP brasileiros. Há dias, em conversa com um amigo que é também poeta e divulga os seus poemas na Internet, este queixou-se do mesmo fenómeno: são sobretudo brasileiros os que usam despudoradamente os poemas deste meu amigo nos seus sites, sem precedência de autorização e sem identificação do autor. Isto não é xenofobia - é a realidade. Foi por esta razão que optei por incluir as fotografias que ilustram o ISO 100 com textos inseridos e em baixa qualidade; a partir do momento em que o comecei a fazer, o fenómeno estancou.  Nunca vi nenhuma das fotografias descarregadas a partir deste blogue noutro site, ou em qualquer outro tipo de publicação, e espero não as ver.

3. Quem descarrega obras de outras pessoas está, não apenas a cometer uma infracção, mas - e sobretudo - a prejudicar alguém. Escrever um poema ou fazer uma fotografia de qualidade requer conhecimentos que levam anos a adquirir, e implica um trabalho intelectual ao qual se impõe atribuir o devido valor. Que alguém se aproprie desse trabalho, que é valorável e quantificável como qualquer outro, é a mesma coisa, no plano ético, que cometer um furto. Por vezes pode parecer que algo, por não ter dimensão física, não tem valor e é de livre fruição, mas não é essa a realidade. Os casos de usurpação de obras de autores, sejam elas poemas ou fotografias, são tão graves como o furto de uma carteira ou de um automóvel. Tenho pena que haja quem não tem consciência disto e se permita apropriar-se do trabalho dos outros sem qualquer escrúpulo ou remorso, apenas porque está acessível. A acessibilidade não significa uma autorização de apropriação; se alguém sair do seu carro deixando o motor ligado e as portas destrancadas, isto não significa que esteja a conceder permissão para que alguém o leve; por que não há-de ser igual com as fotografias (e os poemas) publicados na Internet?

4. Infelizmente, os fotógrafos, ao contrário do que acontece com outros criadores, não têm estruturas que os apoiem. Nos downloads de música, a espoliação dos direitos de autor é punida porque os direitos de propriedade sobre os temas musicais são adquiridos pelas editoras, e estas, além de serem influentes e poderosas, estão organizadas em associações como a RIAA; no caso de descarregamento de uma fotografia, este apoio não existe. Alguns, os fotojornalistas, têm sindicatos que os defendem; os demais - os profissionais que não têm carteira de jornalista e os amadores - não têm nenhuma organização que os proteja. Estão particularmente vulneráveis. Não há ninguém que assuma a defesa dos seus direitos e interesses, sendo obrigados a agir individualmente, lutando, não apenas contra o usurpador - que pode ser uma empresa de grande porte -, mas contra um sistema judicial que tolhe o acesso ao direito e aos tribunais. Muitas vezes o caminho seguido é a renúncia e a resignação. Devia haver uma organização que representasse estes interesses; os mais fracos, que deviam ser os primeiros a unir-se em torno de interesses comuns, são, paradoxalmente, os mais isolados. Até quando?

1 comentário:

Nuno Ferreira disse...

Mais um excelente texto, mas permita-me que exponha aqui também o meu ponto de vista. Como fotógrafo, não me importo que usem, copiem, guardem, façam o que quiserem com as minhas imagens. Nem uso marcas de água. A única moeda de troca que exijo é que não alterem as imagens e que atribuam sempre um crédito ao meu trabalho. Apenas isso. É muito positivo e gratificante saber que o meu trabalho é reconhecido e que circula por diversos meios. Se for usado para fins comerciais, usado indevidamente para uso pessoal ou se alguém usurpar a autoria, aí a situação muda de figura. Felizmente, nunca aconteceu.