quinta-feira, 22 de março de 2012

Questões legais da fotografia: os direitos de autor (1)

Uma fotografia é, antes de mais, uma obra intelectual. Apesar da democratização da fotografia trazida pelo advento da era digital, e da sua banalização crescente, uma boa fotografia será sempre uma criação da mente humana, sendo deste modo digna de tutela legal.
A publicação de fotografias na Internet, prática amplamente adoptada por milhares de fotógrafos, torna-as acessíveis a uma quantidade incomensurável de potenciais usurpadores. De cada vez que alguém publica uma fotografia na Internet, as possibilidades de esta ser usada por outrem como se fosse sua são praticamente infinitas. Num próximo texto veremos como pode o fotógrafo agir no caso de uso não autorizado de uma fotografia sua, mas por agora interessa caracterizar os direitos adquiridos pelo fotógrafo ao fazer uma fotografia.
Antes de mais, importa referir qual a protecção legal da fotografia, e qual a sua natureza jurídica enquanto objecto de relações jurídicas. A fotografia, como referi logo no início, é uma criação da mente humana nascida de um conceito artístico, estético ou intelectual. A lei confere-lhe protecção ao disciplinar as relações jurídicas a que pode dar origem, conferindo-lhe o estatuto de obra. Para efeitos legais, consideram-se obras «...as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.» (Artigo 1.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.)
A protecção legal depende de um pressuposto: a originalidade. Este conceito é fundamental, pois é ele que vai permitir delimitar a obra tal como ela foi criada pelo seu autor das cópias e contrafacções. Por princípio, apenas as obras originais são protegidas por lei, sendo outras equiparadas a originais (por ex. as traduções). Uma cópia não é merecedora de protecção legal, uma vez que esta apenas é conferida a quem a criou: o autor.
E aqui chegámos a outro conceito basilar em matéria de protecção legal: o autor. Este é o criador intelectual da obra, e o seu direito prevalece mesmo que tenha alienado esta última. Autor é a pessoa que originariamente criou a obra tutelada pela lei. A lei protege os direitos adquiridos pelo autor pela criação da sua obra, e esta protecção estende-se mesmo para além da morte do autor, podendo os respectivos direitos ser exercidos pelos seus herdeiros. Os direitos de autor caducam passados que sejam setenta anos após a criação da obra, altura em que se considera ter esta caído no domínio público.
A questão de saber em que momento se cria a obra (ou melhor: a partir de que momento surge a tutela legal da obra e do direito de autor) pode levar a alguns equívocos: há muita gente que, por força do monopólio de facto exercido em Portugal por esse verdadeiro polvo chamado Sociedade Portuguesa de Autores, se deixou convencer que a obra, e os direitos de autor que derivam da sua criação, apenas adquire o direito à tutela legal depois de registada. Esta noção é inteiramente falsa - embora conveniente à elite que tem controlado as artes em Portugal através da S. P. A. -, uma vez que o Código do Direito de Autor (daqui em diante CDA) é bastante explícito neste particular: de acordo com o Artigo 12.º do CDA, o direito de autor é reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade.
Importa reter a noção de que aquilo que a lei protege não é a obra em si; esta, embora possa ser objecto de relações jurídicas, não é mais que a emanação do intelecto do autor. O que a lei protege, através do direito de autor, é a propriedade intelectual, que é corporificada na obra. (Continua)

3 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pelo seu trabalho no blogue. Excelente artigo parabéns. Partilhado

www.valdemartraca.com

Anónimo disse...

Tomei conhecimento do seu blogue por via da Fotodigital, a propósito da protecção da propriedade intelectual em fotografia. O que se descreve será certamente uma manifestação de uma síndrome maior: o desrespeito pelo valor do trabalho, o facilitismo e um tremendo défice de integridade. Como poderá a nossa sociedade elevar-se? - com exemplos vindos de sectores aparentemente insuspeitos.
O que nos deixa é certamente um contributo, o esclarecimento. Um outro a denúncia, como faz José Antunes. Agradeço pela informação prestada. Cumprimentos João Norberto

Manuel Vilar de Macedo disse...

Obrigado pelos comentários.
Caro João Norberto, não tenho a mínima dúvida quanto à razoabilidade do que refere; contudo, o meu propósito não foi fazer uma denúncia - as minhas fotografias ainda não têm qualidade suficiente para serem usurpadas -, mas pronunciar-me sobre esta matéria enquanto técnico do direito. De certo modo, estes textos funcionam em conjunção com o artigo de José Antunes - ele tem a experiência vivida dos desrespeitos pelo direito autoral, eu tenho os conhecimentos jurídicos sobre a matéria. Foi decerto por este motivo - por esta complementaridade - que José Antunes escreveu acerca dos meus textos e fez a respectiva remissão.
Talvez não veja aqui uma intervenção ou um manifesto, mas por vezes é mais útil mostrar às pessoas o que podem fazer no caso de violação dos seus direitos do que enveredar por atitudes que, embora importantes, podem não produzir qualquer efeito prático. (Não estou a dizer que é este o caso dos textos de José Antunes, claro.) Conhecer as regras é tão importante como denunciar as injustiças. Aliás, creio que estas últimas são potenciadas e agravadas pelo desconhecimento dos meios que o lesado tem ao seu alcance. Se puder contribuir para suprir esse desconhecimento, ainda que de maneira limitada, creio que estou a exercer uma forma de cidadania.