sábado, 10 de março de 2012

A pergunta

A pergunta mais embaraçosa que me podem fazer, no respeitante à fotografia, é esta: «qual é o tipo de fotografia que preferes?»
A minha resposta é, invariavelmente, uma longa divagação para a qual o interlocutor pode (ou não) ter paciência, e que envolve adjectivos como «eclético»; um longo discurso que poderia ser substituído por duas palavras: não sei. Embora muitos me reconheçam um bom poder de síntese, este é por vezes impeditivo de uma boa conversa, pelo que tenho o hábito de desenvolver o tópico. O que pode ser interessante se a pessoa que me está a ouvir tiver um interesse razoavelmente aprofundado por fotografia, mas nem por isso se for um leigo.
A minha hesitação tem que ver, acima de tudo, com o facto de o meu interesse por fotografia ser recente. Ainda não fez dois anos desde que comprei a minha primeira câmara, e a minha atitude tem sido a de fotografar tudo o que me parece interessante: cenas de rua, arquitectura, paisagens, graffiti, flores, pôres-do-sol. Mas o ecletismo tem um defeito, que é o de, querendo fazer tudo, acabar por não se ser verdadeiramente bom em nenhum dos temas fotografados. Em lugar de fazer milhares de fotografias do mesmo tema e atingir, por essa via, uma especialização, o eclético dispersa os seus esforços e pode nunca chegar a ser verdadeiramente bom em nenhum tema.
Não há nada de mal em ser especializado num determinado tema: Ansel Adams tornou-se num fotógrafo proeminente porque foi ele quem escreveu as regras da fotografia paisagística; Garry Winogrand e Eve Arnold ganharam os respectivos lugares na história da fotografia por serem fotógrafos de rua; e, como estes, muitos outros fotógrafos tornaram-se grandes por desenvolverem um tema de tal maneira que acabaram por atingir um patamar próximo da perfeição. E os fotógrafos profissionais tendem a ser procurados pela sua especialização num determinado tema. O mesmo acontece noutras áreas do conhecimento humano, até naquelas que são mais refractárias à especialização - como por ex. o direito, que é a minha formação e é o que eu faço quando não estou a fotografar: há hoje em dia uma procura de advogados especialistas em determinadas áreas do direito, embora, ao contrário da medicina, não existam especialidades no direito. Não se é um advogado, por ex., de direito do trabalho pela escolha de um percurso académico, mas por vocação.
Mas tergiverso, desviando-me do assunto. Dizia, algumas linhas acima, que a minha ausência de resposta à pergunta enunciada no início do texto se deve à minha relativa inexperiência, mas a verdade é que o tempo que tenho despendido com a fotografia tem sido ocupado, nos últimos tempos, com apenas dois temas, o que significa que posso estar a caminho de descobrir qual o meu tipo de fotografia favorito. A fotografia de rua é um deles: gosto de fotografar pessoas e pequenos episódios da vida da minha cidade, e de preferência a preto-e-branco. Sempre gostei deste tipo de fotografia, apesar de dar comigo a percorrer sempre as mesmas ruas - especialmente a mais movimentada delas, a Rua de Santa Catarina.
O outro tema é aquele a que chamo (e há um set no meu flickr com este nome) oceanos pastosos: fotografias de praias obtidas com longos tempos de exposição, de maneira a provocar o arrastamento das ondas, dando um aspecto pastoso à água. A verdade é que, depois de o ter experimentado com resultados bem sucedidos, tenho sentido um impulso constante por fazer este tipo de fotografia. Quando resultam bem, as imagens são espectaculares. O que me atrai, neste tipo de fotografia, é o desafio que ela constitui: não é fácil, do ponto de vista técnico, obter o efeito necessário para que a imagem resulte. São requeridos tempos de exposição muito longos, o que obriga a tirar as fotografias quase na escuridão total, o que por seu turno implica o uso de um tripé, de um cabo disparador e, sobretudo, de muita paciência. Quanto mais longo for o tempo de exposição, melhor será o efeito de arrastamento obtido.
A grande dificuldade deste tipo de fotografia, porém, está na escolha da abertura correcta. Uma abertura grande não permite os tempos de exposição necessários para que a fotografia resulte, e uma abertura demasiado estreita provoca difracção. Outra dificuldade, particularmente quando uso lentes de focagem manual, é o facto de a imagem que surge no visor diferir bastante da imagem colhida, sendo aquela bastante mais subexposta.
Uma coisa é certa: parece que já sei responder à pergunta do início do texto. O meu receio é que, de tanto me dedicar a um tipo de fotografia, acabe por me querer concentrar exclusivamente nela e atingir rapidamente o ponto de saturação. Enquanto isto não acontece, porém, vou entreter-me com este tipo de fotografia, que é meditado, estudado e ponderado - ao contrário da fotografia de rua, que é intuitiva e espontânea.

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